domingo, 25 de fevereiro de 2007

eu quero andar

...e ver o silêncio cantar nos olhos de quem eu quero do meu lado. e ver acenderem e apagarem as luzes do caminho, e quero os sorrisos. e chorar quando for preciso, e um pouco de carinho. e sentir o vento quando andar sozinho, e rolar pedras morro abaixo. e me lavar como o resto do mundo na lágrima doce da chuva. e colher as sombras de um jardim florido, e dançar a música colorida dos dias. e na luz fria da noite, desvelar o infinito.
é só o que eu quero.
eu sei, não é muito.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Pensador pesado, preso à poltorona; como ator cansado da irrealidade enfadonha, resolvo assistir pela janela o espetáculo estranho do real, do mundo que muda.
Em preto e branco e vermelho, sentadas sobre muros, jovens aprendem pós-modernidades e as maneiras de chumbo da cidade, e copiam ávidas em seus corpos tudo o que há na cartilha dos outdoors, e ela muda. E o mundo todo num instante se transfigura e agora atrás da minha retina e da janela se espelha um outro. Anarco-punk-sindical-comunistas desfilam bandeiras de um novo socialismo, de um outro fundamentalismo, de um novomundismo ou de qualquer outro novismo enquanto passeiam e cantam hinos de entusisamo, e eles mudam.
Sedentos, famintos, mendigos, perebentos e outros rebentos de um novo-escravismo transitam, e xingam e imigram. Eles somos as malcheirosas flores do grande jardim do mundo. E todos mudam.
Choram mães demasiado jovens com suas crias no colo, e as consolam xamãs e outros magos esnobes, hipócritas e toda sorte desses ora entusiastas da harmonia e da maravilha, ora senhores da miséria (riquíssima miséria) e baleias e todas formas de vida de todo o mundo, como a própria vida e o mundo dançam e se combinam na sopa cósmica açucarada. E eu aqui ainda, atrás da retina, mudo.




***


Sem janela, eu só cruzo a esquina, enquanto a todo tempo tudo muda, como é a sina. E subo as escadas, e lá no topo, do alto de uma outra poltrona, mudo.


E dessa vez, só, eu mudo.
E dessa vez, só eu mudo.
E dessa vez só eu, mudo.
E dessa vez só, eu mudo.
E dessa vez só.
Eu.
Mudo.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

máquina de ser

De início, a máquina primeira, máquina de fazer (meus dedos e meus olhos e ouvidos e bocas e todo o resto do que eu sou) planeja, e cria, e executa com exatidão uma nova manhã, outra da mesma solidão, enquanto cantam notas de coisa nenhuma as ruidosas máquinas de música. Seguem máquinas de noite, e as máquinas de medo, e máquinas de abandonar e as de amar que recitam primaveras de poesia amarga, enquanto um resto de dor maquínica escapa por entre os dedos de uma outra máquina pequena. Surge então a estúpida máquina sonhadora de escrever para tingir com sangue negro e frio o desespero do maquinário, já à beira da ruína.
Tão logo param as máquinas, cessa o ruído. É silencioso como a morte quando a máquina termina.
Mas ainda lá, além do silêncio, rangendo suave, uma máquina de calcular descreve - como não deveria - o desenho caótico de um novo dia, belo e ímpar, e projeta em sonho e cores o renascer da maquinaria.