quarta-feira, 24 de outubro de 2007

dizer de algo que é

Devires intensos em presença, ponte entre aqui e as coisas que foram e virão.
Em tarde cinza eu mesmo me observo a observar.
Do alto de um morro, me vejo dizer daquilo que sou.
De sobre este morro, observo aquele que observa,
Também sou eu, como este que aqui, aquele que lá está.
E o morro mesmo sou eu a me observar.

Vejo os céus em movimento - céus que são meus próprios olhos que me olham
E assim sou também eu neste céu.
Sou eu este céu que me olha como é um corpo também seu próprio olhar
Assim como é um olhar aquilo seu olhado, sou eu mesmo o morro e o observador e os olhos de um corpo que é um e são todos
O céu e a terra são eu mesmo, e o universo sou eu que não sou mais nada.

De ser toda coisa, me desfaço.
Em ter eu mesmo sido tudo o que foi, não sou qualquer coisa que seja só o que é.
Não posso dizer disto que sou eu, ainda que de mim se possa dizer 'és aquilo'.
No tudo que sou, me restrinjo em meu dizer ao sem-limite de eu sou.
Simples como só ser, leve insubstância.
Sustento-me em um eu mesmo que não se apreende.
Princípio do termo, sou a coisa que precede o verbo, sou o início antes do início.
A essência das coisas e a consciência de não-coisa, entidade de nada, verdade primeira e a última sou eu: o universo em seus muitos de si.
Sou o tempo em espaço e além.
Sou a existência que se funda em vazio de mim mesmo.
Oceano primordial de profundíssimas águas escuras e férteis de infinitos, contenho em mim a palavra e o resto do que se (não) diz.
Sou o tempo e a pausa, silêncio prenhe de som.
Poesia, sou a coisa indizível.
Letra absoluta, sou interminável.
Sou a coisa que jamais passa a termo, sou a pura consciência da própria consciência que não se diz.


intermitências do pêndulo que oscila entre nada e tudo, entre estar e ter-se ido.
Sou movimento e criação, e sou também morte e estagnação.
Sou a coisa perene, sou ontem e os dias que virão.
De estação em estação, sou algo que passa.
Sou vida, e vivo, e sou morte enquanto morro.
Sou o vento que sussura a impermanência de todas as coisas e sou a terra a falar, pesada e lenta, em sólidas sílabas milenares.


(ao fundo, André Jolivet - Cinq Incantations [Incantation nº 5 - Pour une communion sereine de l'ettre avec le monde])

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